Escritório de Advocacia Marcelo Alessandro

Impenhorabilidade

DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA DO FIADOR NAS LOCAÇÕES COMERCIAIS

Em recente julgamento no STF, a corte superior modificou o entendimento sobre a penhora de bem de família do fiador nas locações comerciais. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE 605709, encontrasse em julgamento na Primeira Turma, sendo que o recurso presidido pelo Ministro Marco Aurelio foi julgado no dia 12.6.2018.

Assim, já demonstra que o STF, modificou o entendimento, sendo que em caso de fiança comercial, deve ser mantida a regra da impenhorabilidade, dando se mais valor a segurança da família.

Com esta recente modificação no entendimento do STF, sobre a impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial, sinaliza uma possível mudança de entendimento quanto à constitucionalidade do art. 3º, inciso VII, da lei 8.009/90.

Este entendimento era predominante e estava pacificado á anos nas cortes superiores, e tal modificação, vem de encontro com o direito constitucional a moradia, estando os julgadores em sintonia com as políticas sociais e a dignidade da pessoa e defesa das famílias.

Ao nosso ver, a penhora do bem de família viola frontalmente os dispositivos da Lei nº 8.009 de 29.03.90, que em seu artigo 1º diz:

“O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único: A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.

O fim desta proibição legal é a de proteger a família e o direito a moradia, assegurar aos membros uma existência digna, com base na justiça social, protegendo os economicamente mais fracos, impedindo que os executados caiam na miséria e ou na marginalização que a Constituição Federal elege como um dos objetivos fundamentais do Estado (art. 3o, inc. III da CF).

A norma em discussão é a descrita no artigo 3º, inciso VII, abaixo transcrito:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.  (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

Aqui a lei não difere se o contrato de locação é comercial e ou residencial, apenas apresenta a exceção.

O STF modificou o entendimento, sendo que em caso de fiança de contrato comercial, deve ser mantida a regra da impenhorabilidade, dando se mais valor a segurança da família e de todos os membros.

Pois a livre iniciativa não pode colocar em detrimento o direito fundamental à moradia, este foi o fundamento para a modificação da jurisprudência na Suprema Corte.

A finalidade dessa proibição legal é a de proteger a família assegurando a seus membros uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, protegendo os economicamente débeis, impedindo a miséria e a marginalização que a Constituição Federal elege como um dos objetivos fundamentais do Estado (art. 3o, inc. III da CF).

Cabe aqui ressaltar a importância que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem no ordenamento jurídico, devendo-se entendê-lo não como forma supletiva das lacunas da lei, mas sim como fonte normativa e primaria, pronta a ser executada e exercer sua imperatividade e cogência nas relações jurídicas.

A Carta Magna dispõe sobre à proteção da Pessoa Humana, que:

Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;”

Artigo 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada (…)”

Ainda para demonstrar que o fiador de locação comercial, está sendo injustamente desapropriada do seu bem familiar, aonde reside a sua família, na lei a única exceção existente na lei é justamente, a Lei nº 8.009 de 29.03.90, não destinge se a locação é residencial e ou comercial, todavia, não existe qualquer beneficio para a locação comercial a exceção Art. 3º inciso VII.

Sendo que o livre empreendedorismos, a exemplo, para se valer da exceção da lei, poderia oferecer desconto no valor da locação, abatimento no IPTU e outro tipo de beneficio, o que não ocorre.

Pelo contrario, somente o proprietário do imóvel comercial que lucra com a exceção apresentada no inciso VII do artigo 3º da lei 8009/90, pois, alem de exigir vários fiadores e garantias contratuais, ainda tem direito a penhora do bem impenhorável, sendo que não pode ser mantida a presente exceção em detrimento ao direito fundamenta a garantia constitucional a moradia.

A exceção existente na lei, visa claramente beneficiar as grandes empresas imobiliárias e construtoras, que com um lobby sobre o congresso nacional, a época, conseguiram emplacar a exceção da penhora, que visa apenas o enriquecimento de uma parte, não havendo qualquer tipo de contrapartida.

O Consultor Imobiliário, Adriano Dias¹, acrescenta que “com a mudança dessa Jurisprudência, o mercado imobiliário não estava e nem está preparado para essa novidade, podendo se tornar um obstáculo em determinadas situações e trazer relevantes percalços ao investimento imobiliário, não apenas da locação, mas também aos investidores de compra e venda de imóveis comerciais.

Pode se haver uma tendência de retração do mercado imobiliário, nos imóveis de maior valor de locação, devido á falta de garantia por parte do fiador, porém nos imóveis de menor valor de locação poderá haver um crescimento visto a facilidade de se arrumar um fiador’.

A clara violação ao artigo 6º da Constituição Federal:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 

Pois além da dupla garantia locatícia, diversos fiadores como se obseva do contrato de locação comercial, ainda tem a regra da exceção do inciso VII do artigo 3 da lei 8009/90, o que não se poderia ser mantido, coube então ao STF fazer a interpretação do dispositivo legal.

A Jurisprudência já é farta no sentido de manter à salvo da execução o imóvel em que reside o executado e que representa um bem de família. Veja-se a respeito:

“Mandado de Segurança – Aplicação no tempo da Lei nº 8.009 de 29 de março de 1990. Impenhorabilidade do imóvel que serve de residência da família (art. 1º, Lei nº 8009/90, deve ser cancelada a penhora.” (Ac. Unânime da 2ª Cam. Especial Temporária do TA MG – Ac. nº 107.537-2) In Repertório IOB de Jurisprudência nº 3/5759.

No sentido de que o bem de família não poderá ser objeto de penhora e nem ao menos de transação, por se tratar de matéria regida por norma de caráter público e, por isso, insuscetível de disposição, João Roberto Parizzato estatui que:

“A penhora realizada sobre um bem de família é um ato ineficaz, por sua flagrante nulidade. Não pode o bem em questão ser oferecido à penhora pelo devedor. Trata-se de regra de caráter público, insuscetível, pois, de ser alterada pela pessoa que tenha instituído tal benefício”

Nessa diapasão, é válido acrescentar a lição do mestre Pontes de Miranda:

“Os bens inalienáveis não podem ser penhorados, porque toda penhora implica tomada de eficácia do poder de dispor (abusus), e o devedor, dono desses bens não o tem.”

Na opinião de César Fiúza:

“O objetivo do legislador foi o de garantir a cada indivíduo, quando nada, um teto onde morar mesmo que em detrimento dos credores. Em outras palavras, ninguém tem o direito de ‘jogar quem quer que seja na rua’ para satisfazer um crédito. Por isso o imóvel residencial foi considerado impenhorável. Trata-se, aqui, do princípio da dignidade da pessoa humana. O valor ‘personalidade’ tem preeminência neste caso, devendo prevalecer em face de um direito de crédito inadimplido.”

Na lição da ilustre professora Maria de Fátima Freire de Sá, “não podemos olvidar, portanto, que valores como liberdade, igualdade e dignidade foram erigidos à categoria de princípios constitucionais e referidos princípios incorporam as exigências de justiça, salvaguardando valores fundamentais.”

Neste mesmo pisado, é importante citar a opinião do autor Gustavo Tepedino ao afirmar que pretendeu o constituinte, ao fixar cláusula geral e “mediante o estabelecimento de princípios fundamentais introdutórios, definir uma nova ordem pública, da qual não se podem excluir as relações jurídicas privadas, que eleva ao ápice do ordenamento a tutela da pessoa humana, funcionalizando a atividade econômica privada aos valores existenciais e sociais ali definidos.”

Humberto Theodoro Júnior descreveu os princípios informativos do processo de execução: “É aceito pela melhor doutrina e prevalece na jurisprudência o entendimento de que ‘a execução não deve levar o executado a uma situação incompatível com a dignidade humana.’ Não pode a execução ser utilizada como instrumento para causar a ruína, a fome e o desabrigo do devedor e sua família, gerando situações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, institui o código a impenhorabilidade de certos bens como provisões de alimentos, salários, instrumentos de trabalho, pensões, seguros de vida, etc.”

“(…)a execução deve ser útil ao credor, e, por isso, não se permite sua transformação em instrumento de simples castigo ou sacrifício do devedor.”

CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Aqui está claro a existência de um conflito de normas, aonde a Constituição Federal no artigo 6º descreve que é direito e garantia fundamental a “moradia”, e a exceção do artigo 3º, inciso VII da lei 8009/90.

Ao analisar as duas normas, temos que a Constituição Federal é a carta magma desta nação e deve ser superior as demais lei nacionais, assim existe conflito entre as normas. Conflito este que vem sendo discutido no STF no processo RE 605709 – RECURSO EXTRAORDINÁRIO, ao qual já foi juntada a ata de julgamento acima, não sendo publicado o acórdão até a presente data.

A mudança no entendimento jurisprudencial é uma clara resposta do judiciário a um problema recorrente e ao conflito de normas, bem como, não se pode exigir que uma pessoa seja privado de sua moradia apenas para a potencializar a livre iniciativa privada.

No compasso, esta mais do que evidente que o imóvel objeto da presente lide nestes autos é tido como residência da Agravada e seus familiares, portanto, impenhoráveis por força do artigo 649, do Código de Processo Civil, bem como, nos termos da lei 8.009/90, e da Constituição Federal artigo 6º.

Desse modo, qualquer constrição que recaia sobre imóvel impenhorável é nulo de pleno direito, devendo ser desfeita.

O caráter protetivo preconizado na lei em comento ganhou evidencia e força com o advento da Emenda Constitucional nº 26, na medida em que se passou a entender que o direito a moradia ganhou status de direito social, inserido no capitulo dos Direitos Fundamentais, e cuja violação implica no reconhecimento de verdadeira inconstitucionalidade do ato.

Conclui-se, que o processo de execução não deve servir como instrumento de flagelo ao executado, devendo ser lhe assegurados os direitos básicos outorgados por lei, como o direito a ter moradia e ainda, o direito a ter uma vida digna.